domingo, 11 de março de 2007

no guardanapo do bar listei todas as coisas da L.:
como ela era, como eu a estava percebendo... e fiquei triste por ela ter que beijar na boca uma pessoa que eu imagino que ela não quisesse de verdade. aposto que ela queria beijar a minha boca, mas como eu sou impossível e ela precisava beijar uma boca, beijou então aquela.
mas eu não tenho pena porque as pessoas são muito fracas nessa história. fico imaginando que se eu quisesse beijar uma boca e não a possuísse, não beijaria boca nenhuma (como, de resto, não o faço). as pessoas não... beijam qualquer boca porque o importante é a vontade de beijar e não a de escolher a boca.

as conversas na internet podem ser alternativas porque, embora elas possam remeter para a vontade de beijar a boca, não o fazem, no máximo digitam essa vontade. o beijo na boca digitado nos mecanismos de conversa têm o mérito de expressar vontades sem colocar a nossa boca fisicamente em outra o que pode acabar, como o exemplo acima, em beijar bocas por beijar e não por ser a boca.
fico pensando que talvez eu devesse ser a boca possível, a boca que redimisse todas as bocas que sentem vontade de beijar, como um asceta que dedica sua vidaa dar aos que necessitam, mas para isso seria necessário uma dose enorme de capacidade de dar-se que, evidentemente, não possuo.

L. beijou aquela boca porque perdeu as amarras, porque se embriagou permitindo que viesse à tona o instindo básico, primevo, animal. quando a embriaguês alcóolica passar talvez ela não se arrependa numa tentativa, agora consciente, de negar tudo o que realmente é nessa vida. imagino que precisamos nos desculpar pelo que pensamos e não fazemos e pelo que fazemos sem pensar.

salvo o infarte salvador, a noite é predecessora do dia que irá sempre rair, impondo com a sua claridade a possibilidade de auto-análise do que fizemos e a única chance de redenção é fingir que assumimos o não assumido, como que a perdoar não exatamente o feito, mas perdoar o pensamento e a necessidade atávica de fazer o que não era para ser feito. isso se aplica a um beijo na boca, a um assassinato ou à assinatura de um contrato aparentemente favorável a nós.

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