domingo, 18 de março de 2007

foi embora


o ser humano, por ser isso, cria expectativas. primeiro eu achei que não gostava de criar nenhuma expectativa: estava mentindo para mim mesmo. gosto sim. ao mesmo tempo, criada a expectativa, ela me incomoda, me põe de encontro a uma parede branca e fria, uma parede caiada de qualquer jeito, dessas que se fazem apenas para que ela existe sem lhe conferir utilidade.

dia desses eu tive uma conversa com uma menina sobre a expectativa da parede. o que eu estava fazendo na verdade, era um jogo. queria ver até onde uma menina suportaria imaginar que ela e todos nós, somos paredes frias, caiadas de branco, não uma das quatro paredes que sustentam e viabilizam as casas, mas tão somente uma parede, levantada do nada e que divide o nada do coisa nenhuma.

a menina ajeitou os óculos e respondeu que sim, que a possibilidade de bilhões de paredes caiadas de branco podem ser o espelho do óbvio cemitério, suas lápides e gavetões. respondi que não, que ela estava errada, que esse era um raciocínio simplista, tolinho, sem amparo intelectual. ela fixou os olhos em mim e respondeu que eu estava blefando, que não tinha idéia melhor para me sair de uma proposta descabida que eu mesmo criei.

perguntei então se ela conseguiria ler um denso livro, caudaloso em sua 897 páginas. ela, irritada, se apressou em dizer que sim, que já lera um sem número de livros assim, que eu a substimava ou tentava, mas que estava perdendo o meu tempo. que eu não passava de um provocador. pedi desculpas e acrescentei que minha pergunta era se ela tinha lido o tal livro de 897 páginas em branco, sem um único caracter em nenhuma das páginas.

ela apagou seu cigarro e me olhou desafiadoramente, perguntando-me se achava alguma coisa de mais em imaginas um mundo com 7 bilhões de paredes caidas de branco, sem funcionalidade cada uma delas... se tinha prazer na erudição dos livros de folhas em branco e, para completar, se eu não achava também que talvez deus fosse mais perfeito se criasse mulheres sem clitóris.

ela me olhava desafiadoramente. baixei os olhos. respondi que, em contraposição com tantas folhas e paredes brancas, existiam povos de pele negra que eram deuses em si mesmos, corrigindo uma falha metafísica, extirpando zelosamente um a um os clitóris de todas as fêmeas que nasciam em seus territórios. ela disse que conhecia essa prática de alguns povos africanos e que a minha conversa toda tinha uma conotação racista, lembrando que, meses antes, eu dissera que a áfrica seria irrelevante.

sem controle sobre o diálogo, ela me disse para finalizar que eu era apenas um doente, que utilizava pessoas e palavras para colocar em prática jogos baratos e sem finalidade, que eu queria chamar a atenção para a minha própria figura que era, em suma, triste e patética. disse ainda que eu era um arremedo, uma tentativa de mostraruma falência psicológica de maneira excêntrica, mas que resvalava numa pobreza abissal de raciocínio lúdico.

ela foi embora.

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