quinta-feira, 29 de março de 2007



o que eu digo é o seguinte: esses espaços, esses blogs e outros meios não são o que parecem. quando eu escrevo que eu fui, não estou dizendo que realmente eu fui. estou exercendo a dramaturgia do ir. quando eu transformo sentimentos em palavras, estou fazendo ficção (barata). a internet inteira não é nada mais do que uma biblioteca de alexandria contemporânea. ou moderna. ou do século XXI. só. é preciso entender que o homem traz em si o signo da arte da dramaturgia. é só perceber que possíveis rugidos, esgares e a tentativa de movimentar-se sobre apenas duas pernas dos homens antigos, pré-históricos mesmo, já traziam em si os mesmos movimentos do balé clássico. a marca deixada por uma porrada na parede com uma pedra é a mesma coisa que a obra completa de dostoiévsky.

o homem ter a vaga lembrança de que o fogo queima é o PhD em História e a trapada animalesca para a reprodução é a história da Comédia Humana. imagino que essa condição da gente conviver com os outros, trabalhar, amar, odiar, acasalar, ser ermitão... enfim, tudo é o exercício do homem em se reinventar, trocar de cenário, de máscara, até de personagem. escrever e reescrever indefinidamente scripts que vai decorando e esquecendo. sendo aplaudido e vaiado por outros atores da mesma comédia que interpretam o papel de 'outros'. imagino que viver seja belo exatamente porque subimos na ribalta e seguimos até cair o pano final.

só pra introduzir isso, sabe? tudo o que está escrito aqui é resultado do gene da criação humana. nada mais! imagino que a matéria que nos faz sofrer (ou reagir ao sentimento que denominamos 'sofrer') é a condição de ser bom ou mau ator, bom ou mau escritor. a simples e bela farsa da vida é breve. não rir, chorar e aplaudir é negar a essência do mundo. fiquemos assim definitivamente. tudo o que está escrito é ficção. tudo é entre aspas.

"dia a dia vou me convencendo mais e mais que a madrugada não é para dormir e sim para refletir. deve ser. em mim, é. o engano é acreditar que a reflexão, por si só, é boa. nem sempre. a madrugada é para mim, a reafirmação do adeus. por qualquer defeito cognitivo ou impulso a não aceitar as verdades de pronto, postergando sua aceitação por um cacoete emocional, como um instinto de proteção falso, me condiciono à sua aceitação depois. sempre depois, sempre mair tarde. até o momento em que argumentação derrapa, na madrugada, quando armentar com o teto seria assumir uma catatonia às avessas. nessa hora, sento na cama e a verdade entra, cai como uma rocha. quando uma relação se desgasta ao ponto de entrar no insidioso campo da argumentação, no terreno em que é preciso se auto-explicar, está, automáticamente, finalizada. é uma coisa simples. não entender de pronto, é complicar o que é simples por natureza.
brincadeira à parte, o que tenho é o diagnóstico (feito por mim mesmo) errado: a insônia não é por uma certa ansiedade patológica e sim pela negação das coisas, por não digeri-las quando aparecem, durante o dia.

ali sentadinho, olhando para o desenho irregular do chão, com olheiras profundas e um enorme cansaço, tenho a clareza da infância: tornei tudo tão racionalizado que ela precisou dizer que de uma certa maneira anterior não aceitará mais, seguindo um script tolo por prolixo e escrito por mim mesmo como forma de verbalizar transversalmente o que que é indizível: o fim. a grande dignidade da morte é exatamente o seu silêncio, a irrelevância das palavras em um morto.

eu tenho muita febre e gozo muito. estranha mistura. queimo. por dentro e por fora. sou e estou aqui. provisoriamente quieto, mas não fui. só quando morrer. beijos"

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